Quando eu era mais novo não era muito fã de filmes de western. Isso começou a mudar depois que eu assisti dois filmes do gênero: Tombstone e Os Imperdoáveis (Sérgio Leone e John Ford ainda não faziam parte do meu currículo cinematográfico). O primeiro gostei de primeira e até hoje acho um dos melhores westerns já realizados. É um filmaço com personagens extremamente carismáticos, em especial o grande Doc Holliday de Val Kilmer e o Wyatt Earp de Kurt Russel (mas o show é mesmo de Kilmer). É um filme que considero ótimo pra quem ainda é estreante no gênero pois é divertido, com ótimas atuações e cenas de ação idem.
Já Os Imperdoáveis também gostei bastante quando vi a primeira vez mas não tanto como Tombstone. Por outro lado, mesmo não tendo achando tão bom sempre fiquei intrigado do porquê de que eu sempre gostar de revê-lo (isso acontece muito com determinados filmes e quando isso ocorre sei que há algo ali que meu inconsciente já detectou mas que eu ainda não percebi). Com o tempo fui gostando mais e quando vi pela última vez (início desse ano) compreendi tudo e o lancei à categoria de clássico entendendo também o porquê de tantos elogios e um Oscar de melhor filme (que na época - embora achasse o filme bom - achei exagerado).
Acho que o fator principal que me fez adorar o filme a partir desse ano foram minhas leituras nos últimos anos sobre memória social, memória discursiva, construção discursiva, etc...que por meio deles mudei completamente minha visão sobre o filme e o considerei uma obra-prima (o que para muitas pessoas já era algo claro mas que pra gente nem sempre está visível).
Ele simplesmente é um filme revisionista do gênero do western que utiliza toda a tradição do mesmo para desconstruí-lo, criticá-lo, mostrar como é “falso” (nada é verdadeiro certo?), romantizado, que não havia mocinhos e bandidos, efim, desmascarar o gênero, mostrar suas invencionices, mitos, jogá-lo na lama mesmo. Porém, ao final do filme, reafirmá-lo novamente, pois, ora, só quem pode desmascarar tão descaradamente o mito é alguém que o conheça tão bem, tenha feito parte de sua história, ajudado a definí-lo e o ame. Ou seja: Clint Eastwood.
O filme nos apresenta o personagem de Clint (Bill Munny) como ex-pistoleiro decadente e arrependido de seu passado e que agora só quer cuidar de seus filhos tranquilamente e conviver com seus fantasmas do passado – incluindo a morte da esposa que foi quem o redimiu. Após o ataque de um homem a uma prostituta um aspirante a pistoleiro é contratado por elas para uma vingança e resolve procurar Bill para ajudá-lo.
Não vou entrar em detalhes dessa parte da trama e partir para o ponto que acho crucial e que faz o filme ser o que é.
O personagem de Saul Rubinek, o reporter W.W. Beauchamp, escreve histórias de western como conhecemos nos antigos filmes e livros: mocinhos contra bandidos. Todos rápidos no gatilho e quase invencíveis. Ele escreve sobreo famoso pistoleiro interpretado por Richard Harris - English Bob – narrando seus “feitos” e criando o mito de English Bob. Porém o violent xerife Little Bill Daggett – personagem de Gene Hackman - que ganhou o Oscar de coadjuvante – irá mostrar que as coisas não são tão heróicas quanto parecem.
Ao ser preso, o repórter começa a conversar com o xerife. Esse, ao ler um dos livros de Beauchamp começa a rir e diz que presenciou “in loco” a história narrada e que a mesma não foi nada do que está escrito.
O que o Xerife revela é que heroismo não havia nenhum, muito pelo contrário. Eram um bando de bêbados arrumando confusão e atirando pra qualquer lado. Ou seja, todo o romantismo do velho oeste não passa de invenção. O mundo real nunca teve John Wayne ou Wyatt Earp como retratados nos livros, filmes e contos. O personagem de Gene Hackman expõe para o escritor toda essa “falsidade” das histórias de Western e como tudo não passa de uma invenção de escritoires – em uma cena memorável.
E o filme de Eastwood mostra tudo isso. Se em filme como Três Homens em Conflito – dentre vários outros - os personagens de Clint eram a encarnação do mito do mocinho dos Western – rápido no gatilho, corajoso - , aqui ele é falho, velho, ex-alcoolatra, etc. Junta-se ao personagem de Morgan Freeman – amigo dos tempos de pistoleiro - pra ir à caça do homem que machucou a prostituta e nessa tarefa expõe todas suas fraquezas.
Porém, após desconstruir o mito do western, no seu final o filme acaba por novamente reafirmá-lo – embora para nunca mais ser visto com os mesmos olhos – com uma cena derradeira onde Clint “incorpora” seus velhos personagens – e que visualmente remete ao O Homem que Matou o Facínora. Antes de percebermos tal cena como não compatível com o resto do filme podemos interpetá-la como uma homenagem a toda a mitologia que o próprio filme já mostrou não ser nada mais do que…mito, construção.
Um grande filme, com coragem de descontruir um dos maiores mitos norte-americanos mas que ao mesmo tempo homenageia e reafirma esse mito – embora com um olhar muito mais realista e melancólico.
Os Imperdoáveis (The Unforgiven, EUA, 1992)Direção: Clint EastwoodElenco: Clint Eastwood, Gene Hackman, Morgan Freeman, Richard HarrisDuração: 131 minutos